Tempo de espera, tempo presente, tempo
de acontecer, tempo...
Em uma dessas longas conversas à
distância que andam substituindo nossas visitas presenciais, uma queridíssima
irmã fez sábias reflexões sobre o tempo e sobre “dar tempo ao tempo”.
Como exemplo, contou-me que, em sua
mudança do Rio para o interior de São Paulo, um lírio branco, de que gostava
especialmente, murchou e secou. Entretanto, minha irmã não o descartou nem
desistiu dele. E, além de ter ainda, seu lírio, tirou da experiência conclusões
importantes para os dias que correm.
Pedi a ela que me desse detalhes, e
ela me escreveu, detalhando todo o caminho de recuperação de sua plantinha. Sua
sensibilidade produziu um belo relato que partilho aqui, pois nos servirá,
tenho certeza, para aprofundar pensamentos, entender os próprios sentimentos, intensificar
nossa esperança.
História
de um lírio
Ele veio de meu apartamento do Rio de
Janeiro em 2015, quando mudei para outra cidade.
Sua flor surge uma vez por ano, em
abril. Em 2018 e 2019, a flor não apareceu, ao contrário dos outros anos. E,
neste meio de tempo, a plantinha padeceu e, por várias vezes, quase morreu.
Eu persistia, porém...
No começo do ano passado, estava
apenas com três folhas murchas. Achei que dessa vez não sobreviveria. Levei a
coitadinha a uma UTI, uma floricultura de um amigo, na qual ela foi replantada
e cuidada por algum tempo.
A planta se reanimou, reviveu.
Como eu tive que voltar, por algum
tempo, ao Rio, minha filha passou a cuidar dela. Regava a planta, que estava
num lugarzinho muito especial da casa, um aconchegante pergolado. E foram
nascendo mais folhas. E ela voltou a ficar bonita. E voltei para casa...
De repente, num certo dia, neste
abril, vi uma pontinha saindo da terra, que não parecia ser uma folha, e sim a
flor! Vibrei! Depois de tanto tempo, a flor que quase tinha morrido ia
florescer novamente!
Daí em diante, todo dia, eu ia vê-la,
ansiosa! Queria que, de um dia para outro, aparecessem todos os lírios de uma
vez, como num passe de mágica.
E aí vinha aquela voz interior me
dizendo. “Calma! Tudo tem seu tempo!” E eu fui apreciando, dia a dia, o
crescimento da flor e sua beleza.
E fiz a comparação com o que estamos
vivendo.
Estamos vivendo agora uma situação
complicada! Tempos difíceis de Coronavírus, de muita incerteza, sem saber se
vamos sobreviver, principalmente nós, do grupo de risco. E todo dia acordamos,
estamos vivos, e vamos aproveitando momento a momento, da melhor forma
possível. Queremos que, num passe de mágica, tudo isso já tenha passado, com um
tempo lá na frente, com vacina para nos proteger deste mal.
Mas tudo tem seu tempo e a espera faz
parte!
A poesia da história, a poesia da vida,
a poesia do tempo
Esta matéria tem a colaboração e
inspiração de minha irmã, Suely Arradi. O próprio título é de seu relato, e eu
o roubei, com seu consentimento.
Sua sensibilidade poética está na
delicadeza e importância que dá à recuperação e evolução de uma plantinha que
alguns teriam jogado fora.
Seu espírito de historiadora está no
detalhamento das etapas da planta e no cuidado que teve em documentar sua
evolução. Disso me aproveitei, inserindo algumas fotos do lírio neste artigo.
Quero acompanhar seu delicioso relato com
alguns poemas sobre o tempo. São textos que, embora não sendo de hoje,
conservam sua atualidade por recriarem, de modos poéticos peculiares, aspectos
da vida humana.
Tudo
tem seu tempo
Estamos diante de um tempo de angústia,
qual noite dolorosa sem fim, de espera ansiosa pelo término de um sofrimento e
pela volta ao equilíbrio (mesmo que precário) anterior.
Ricardo Reis, heterônimo de Pessoa, em
uma das Odes, dá a palavra ao eu lírico para um conselho a Lídia que vale para
nós, agora: ante a “noite” que nos envolve, o melhor é acalmar o “ardor que o
dia nos pedia” e dar ensejo a que “com mais sossego amemos / a nossa incerta
vida”.
Por ora, não exijamos demais de nós ou
de outros, porque é “a hora dos cansaços”. Por enquanto, em vez de ações
forçadas e de preocupações quanto ao futuro, recordemos e ressignifiquemos, em
pequenas doses, acontecimentos idos – ainda que nos tome esse avassalador
“desassossego que o descanso / nos traz às vidas”.
Cada coisa a seu tempo tem seu tempo
Cada coisa a seu
tempo tem seu tempo.
Não florescem no
inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os
campos.
À noite, que entra,
não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o
dia nos pedia.
Com mais sossego
amemos
A nossa incerta
vida.
À lareira, cansados
não da obra
Mas porque a hora é
a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um
segredo,
E casuais,
interrompidas, sejam
Nossas palavras de
reminiscência
(Não para mais nos
serve
A negra ida do Sol).
Pouco a pouco o
passado recordemos
E as histórias
contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos
falem
Das flores que na
nossa infância ida
Com outra
consciência nós colhíamos
E sob uma outra
espécie
De olhar lançado ao
mundo.
E assim, Lídia, à
lareira, como estando,
Deuses lares, ali
na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora
compúnhamos
Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas
quando só pensamos
Naquilo que já
fomos,
E há só noite lá
fora.
[PESSOA, Fernando. Odes de Ricardo Reis.
In Fernando Pessoa – Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1977.]
O
tempo inevitável
O poema seguinte, de Cassiano Ricardo,
reforça o conselho para que não nos desesperemos e vai mais fundo, pois toca na
inevitabilidade dessa “coisa tão doída” que sempre espera o ser humano: seu
caminhar em direção à morte. O sofrimento, pois, qualquer que seja, fará parte
do trajeto do “ser” rumo ao “não ser”.
No entanto, se o eu lírico não traz
refrigério, em contrapartida, exorta o homem a uma atitude serena – estoica –
ante acontecimentos irremediáveis.
O Relógio
Diante de coisa tão doída
Conservemo-nos serenos
Cada minuto da vida
Nunca é mais, é sempre menos
Ser é apenas uma face
Do não ser, e não do ser
Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer.
[RICARDO, Cassiano. Seleta
em prosa e verso. Coelho, Novaes, comp. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio,
INL, 1972.]
O
tempo e a vida
Entre o ser e o não ser... há a vida, como ensina o poema de Whitman (retomando
a célebre frase – carpe diem – do
poeta romano Horácio). Cada cantinho dela – “deserto” ou “oásis” – é digno de
ser bem aproveitado. E “ainda que o vento sopre contra, a poderosa obra
continua, [pois] tu podes trocar uma estrofe”.
Portanto:
[Carpe diem!]
Aproveita
o dia.
Não deixes
que termine sem teres crescido um pouco.
Sem teres
sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.
Não te
deixes vencer pelo desalento.
Não
permitas que alguém te negue o direito de expressar-te, que é quase um dever.
Não
abandones tua ânsia de fazer de tua vida algo extraordinário.
Não deixes
de crer que as palavras e as poesias, sim, podem mudar o mundo.
Porque
passe o que passar, nossa essência continuará intacta.
Somos
seres humanos cheios de paixão.
A vida é
deserto e oásis.
Nos
derruba, nos lastima, nos ensina, nos converte em protagonistas de nossa
própria história.
Ainda que
o vento sopre contra, a poderosa obra continua, tu podes trocar uma estrofe.
Não deixes
nunca de sonhar, porque só nos sonhos pode ser livre o homem.
Não caias
no pior dos erros: o silêncio.
A maioria
vive num silêncio espantoso. Não te resignes, nem fujas.
Valoriza a
beleza das coisas simples, se podes fazer poesia bela sobre as pequenas coisas.
Não
atraiçoes tuas crenças.
Todos
necessitamos de aceitação, mas não podemos remar contra nós mesmos.
Isso
transforma a vida em um inferno.
Desfruta o
pânico que provoca ter a vida toda adiante.
Procura
vivê-la intensamente sem mediocridades.
Pensa que
em ti está o futuro, e encara a tarefa com orgulho e sem medo.
Aprende
com quem pode ensinar-te as experiências daqueles que nos precederam.
Não
permitas que a vida passe sem teres vivido…
[WHITMAN, Walt. Disponível em: www.pensarcontemporaneo.com/3561-2/]
Tudo
passa
Com Leminski, encerro, desejando que
tudo o que temos sofrido nesta época de pandemia passe logo, logo. Depois,
quando tudo tiver passado, teremos uma importante história para lembrar, contar
e recontar, dela extraindo inúmeras lições.
Que tudo passe
passe a
noite
passe a
peste
passe o
verão
passe o
inverno
passe a
guerra
e passe a
paz
passe o
que nasce
passe o
que nem
passe o
que faz
passe o
que faz-se
que tudo
passe
e passe
muito bem
[LEMINSKI, Paulo. Caprichos
e Relaxos. São Paulo: Ed. Brasiliense,3ª ed.]
Recado final
Sobretudo, não esqueçamos Whitman:
Não deixes de crer que as palavras e as poesias, sim, podem
mudar o mundo.
Porque passe o que passar, nossa essência continuará intacta.
Somos seres humanos cheios de paixão.
Meu abraço, em qualquer tempo.
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