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Maternidade - Lasar Segall |
Entretanto, é mais comum, nos poemas, os filhos dirigirem-se às mães. Centro-me, hoje, nessas vozes
filiais que, algumas vezes, são doces, e outras não tanto: pois há, também, diálogos
(ou pseudodiálogos, ou monólogos) que se revestem de amargura, ou revelam dores
e distanciamentos.
Convido-os a ler dois autores, cujos
poemas representam essas duas vertentes de sentimento: em ambos, maneiras de
dar a conhecer o que sabe ou pensa o eu poético sobre a relação mãe-filho.
Voz
filial: o reconhecimento
O poema a seguir é de António Victor Ramos
Rosa, que nasceu em Faro, a 17 de Outubro de 1924. Faleceu a 23 de setembro de
2013, em Lisboa. Foi poeta, crítico e tradutor.
Seu texto traz o conhecimento do filho
em relação à vida, luta e sofrimentos de sua mãe. Conhecimento que é, também, o
reconhecimento, a valorização da mulher-mãe, em sua fragilidade e força, e à
qual o ser poético afirma sua solidariedade: “Estou
contigo mãe”. É, também, a reafirmação do poder do amor materno, tão
forte e intenso, a ponto de conseguir realizar o impossível: “fundir o diamante do fogo universal”. Note-se,
ainda, a sutil confissão do filho descrente que se curva ante a crença materna
no divino: “... Deus.
Que existe porque tu o amas, tu o desejas.”
Eis o poema.
Mãe
Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente, na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,
sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal.
Vozes
que não falam
José Luís Peixoto nasceu em Galveias,
a 4 de setembro de 1974. É autor de romances, contos, poemas e peças de teatro.
Sua primeira obra foi publicada em 2000. Em escritura mais livre, em relação ao
convencional (observem a ausência de maiúsculas e os cortes, aparentemente
aleatórios, mas reveladores de fala angustiante), Peixoto traz a (infelizmente)
difícil interlocução entre gerações – que, no entanto, não significa desafeto
ou desamor. Por isso, com a mediação da palavra escrita, quase que em segredo,
quase que às escondidas, em verso à parte, o ser lírico declara: “lê isto: mãe, amo-te”. O silêncio e a indiferença são,
na verdade, apenas máscara para encobrir a declaração de amor do filho por sua
mãe: “hei de fingir que não escrevi estas palavras,
e tu hás de fingir que não as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes”.
Palavras para a minha mãe
mãe, tenho pena. esperei
sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.
pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.
às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.
lê isto: mãe, amo-te.
eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.
Confio em que os textos apresentados levem os leitores a se recordarem de outros – talvez, ouvidos na infância, talvez lidos agora, talvez (e por que não?) escritos por si próprios. E que me enviem, se desejarem.
Um abraço.
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