Onde
o lugar da poesia?
Imagino quantos professores estão
agora, neste final de janeiro, ultimando seu planejamento do semestre... Mas
quantos, desses, ao organizar um documento tão importante, estarão preocupados
com o sentido poético da vida?
Aquela professora de Ciências, que imagino
concentrada, de cenho franzido, estará interessada em interessar seus alunos
pela poesia da natureza?
Ou aquele jovem professor de
Matemática, que mal abriu os olhos para a profissão, abrirá os olhos dos
estudantes, mostrando-lhes a espantosa poesia dos números que existe em cada
objeto do dia a dia, em cada planta do jardim da escola, na harmônica
organização do Universo?
Ah!, a alfabetizadora, esta sim, deve estar
procurando poesias para suas aulas... mas apenas porque a rima auxilia no
processo de alfabetização, não mais.
Não mais, que pena!
Pois é, talvez nem mesmo o experiente
professor de Língua Portuguesa se preocupe com a poesia – nem da vida, nem das
palavras.
Porque Poesia é para as horas de
relaxamento e para os dias de folga! Em contrapartida, o trabalho sério, em
classe, demanda trabalhar leitura e escrita daqueles textos que estão em
jornais, em obras célebres, em livros didáticos, em enciclopédias; daqueles que
serão pedidos em provas vestibulares e em conclusões de cursos; daqueles outros
praticados no dia a dia, em casa, escritórios, repartições públicas, etc. etc.
etc. etc. etc...
E, no entanto, a Poesia faz a vida
adquirir mais sentido e amplitude:
A
poesia, que faz parte da literatura e, ao mesmo tempo, é mais que a literatura,
leva-nos à dimensão poética da existência humana. Revela que habitamos a Terra,
não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade –, mas também
poeticamente, destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase. Pelo poder da
linguagem, a poesia nos põe em comunicação com o mistério, que está além do
dizível.¹
Dizem as professoras e escritoras
Christina Dias e Marô Barbieri²:
Há
poesia por tudo. Essa é a verdade. O que precisa é ensaiar o olho para achar.
E
achar poema não é coisa que se aprende assim de forma distraída. É preciso
treino e alguém que mostre, no início. [...] Hoje, a única porção de leitura
que a maioria das pessoas tem, ainda mais de poesia, está na escola. Se o
professor não levar poesia pra dentro da escola periga o sujeito nunca ver um só
poema, um só texto literário. E aí a coisa complica. Claro que sempre há jeito.
Mas, sem auxílio, o caminho é individual e, se a pessoa está sozinha, é mais
difícil.
Então
é na escola que a poesia deve aparecer. E lá ela pode passear à vontade, significando
gestos e falas. O professor atento percebe, na fala dos seus alunos, pequenos ganchos
para apresentar a rima, a brincadeira com repetições e invenção de palavras.²
¹ MORIN,
Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a
reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
Disponível em: uesb.br/labtece/artigos/A%20Cabeça%20Bem-feita.pdf.
² DIAS, Christina; BARBIERI, Marô. Poesia, criança & escola - leituras para
um professor que quer ver. Via Internet; atualmente, indisponível.
Um poeta
pensa a educação
Nada como reforçar uma ideia com um argumento de
autoridade – concorda, leitor? Por isso, chamo o mestre Drummond e a agudeza de
seu pensamento.
Em crônica de 1974, o poeta comenta, com precisão e
lucidez, sobre o desaparecimento da poesia na vida de tantos, tão logo termina
a infância. (Eu diria que, hoje em dia, até antes!)
A educação do
ser poético
Por que motivo as crianças, de modo geral, são
poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será a poesia um estado de infância
relacionada com a necessidade de jogo, a ausência de conhecimento livresco, a
despreocupação com os mandamentos práticos de viver – estado de pureza da
mente, em suma?
Acho que é um pouco de tudo isso, se ela encontra
expressão cândida na meninice, pode expandir-se pelo tempo afora, conciliada
com a experiência, o senso crítico, a consciência estética dos que compõem ou
absorvem poesia.
Mas, se o adulto, na maioria dos casos, perde essa
comunhão com a poesia, não estará na escola, mais do que em qualquer outra
instituição social, o elemento corrosivo do instinto poético da infância, que
vai fenecendo, à proporção que o estudo sistemático se desenvolve, ate
desaparecer no homem feito e preparado supostamente para a vida?
Receio que sim. A escola enche o menino de
matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da
poesia da matemática, da geografia, da linguagem. A escola não repara em seu
ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o
conhecimento e o mundo.
Sei que se consome poesia nas salas de aula, que se
decoram versos e se estimulam pequenas declamadoras, mas será isso cultivar o
núcleo poético da pessoa humana?
Oh, afastem, por favor, a suspeita de que estou
acalentando a intenção criminosa de formar milhões de poetinhas nos bancos da
escola maternal e do curso primário. Não pretendo nada disto, e acho mesmo que
o uso da escrita poética na idade adulta costuma degenerar em abuso que nada
tem a ver com a poesia. Fazem-se demasiados versos vazios daquela centelha que
distingue uma linha de poesia, de uma linha de prosa, ambas preenchidas com
palavras da mesma língua, da mesma época, do mesmo grupo cultural, mas tão
diferentes.
Se há inflação de poetas significantes, faltam
amadores de poesia – e amar a poesia é forma de praticá-la, recriando-a. O que
eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a
poesia como primeira visão direta das coisas e, depois, como veículo de informação
prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo
e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética.
[...]
Alguma coisa que se bolasse nesse sentido, no campo
da Educação, valeria como corretivo prévio da aridez com que se costuma
transcrever os destinos profissionais, murados na especialização, na ignorância
do prazer estético, na tristeza de encarar a vida como dever pontilhado de
tédio. E a arte, como a educação e tudo o mais, que fim mais alto pode ter em
mira senão este, de contribuir para a educação do ser humano à vida, o que,
numa palavra, se chama felicidade?
[ANDRADE, Carlos Drummond de .Transcrito
do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro – RJ, 20.07.74. Disponível em: docslide.com.br/documents/a-educacao-do-ser-poetico.html.]
Lugar de
Poesia é na escola
Para poetas, filósofos, escritores e, também, para
alguns educadores, um dos lugares (não o único) da poesia é, necessariamente, a
escola, onde ela parece estar sendo esquecida. Você, leitor, concorda com eles?
Eu gostaria muito de saber o que pensa: se tem a
Poesia como parte de sua vida, em que medida isso acontece...
Voltarei ao assunto. Até breve!
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