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Candido Portinari |
Leitor,
leitora, em matéria do fim de 2015 (29/12), sugeri-lhes dedicarem-se
à expressão poética, construindo um balanço pessoal que refletisse o ano findo e
as expectativas vindouras: ainda é tempo...
Para
incentivar a invenção de cada um/a, acresço um vídeo que une a criação de dois
Mestres: Drummond, voz e poema; e Portinari, ação e painel. Do vídeo, tomei conhecimento por intermédio do
site www.moinhoamarelo.com.
Trata-se
do poema A Mão, escrito pelo poeta para homenagear o pintor: “declamado por ele mesmo [Drummond], com imagens de Portinari pintando os
painéis Guerra e Paz (1952-1956) para a sede da ONU, em Nova York (filme
histórico cedido por Sílvio Tendler e publicado no canal do Portinari.org).”¹
Guerra
e Paz – os dilemas eternos, tão nossos conhecidos –, somados à possibilidade de
ação e transformação da mão criadora: temas inspiradores, não acham?
Então,
que nestes tempos, “entre o cafezal e o sonho”, “entre guerra e paz ”, “entre o amor e o ofício”, nossa mão
também contribua, como a do artista, para que “todos os meninos, ainda os mais desgraçados, sejam vertiginosamente
felizes.”
Que,
humilde e serenamente, possamos fazer, com nossas mãos, “do mundo-como-se-repete, o mundo que telequeremos”.
Um
abraço-ponte entre o ano que se foi e este outro, que apenas principia.
¹Em www.moinhoamarelo.com/2011/05/poema-mao-candido-portinari.html.
A
mão
Entre o cafezal e o
sonho
o garoto pinta uma
estrela dourada
na parede da capela,
E nada mais resiste à
mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser
pintado mas sofrido.
A mão está sempre
compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga
da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo
aéreo
e semeia margaridinhas
de bem-querer no baú dos vencidos.
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete
o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o
invisível.
Tudo tem explicação por
que tudo tem (nova) cor.
Tudo existe por que foi
pintado à feição de laranja mágica,
não para aplacar a sede
dos companheiros,
principalmente para
aguçá-la
até o limite do
sentimento da Terra domicílio do homem.
Entre o sonho e o
cafezal
entre guerra e paz
entre mártires,
ofendidos,
músicos, jangadas,
pandorgas,
entre os roceiros
mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o
aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:
Todos os meninos, ainda
os mais desgraçados,
sejam vertiginosamente
felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em
duas gerações
da criança que balança
como flor no cosmo
e torna humilde,
serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de
encantação.
Agora há uma verdade sem
angústia
mesmo no
estar-angustiado.
O que era dor é flor,
conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver
disposto o essencial,
deixando o resto aos
doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de
Cândido Portinari."
[ANDRADE,
Carlos Drummond de. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1963.]
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