Moacyr Scliar sempre soube dar um ar
de modernidade a seus temas, sem, no entanto, abandonar o lirismo e o olhar
sensível. Bem por isso, lembrei-me dele, ao aproximarem-se as festividades
tradicionais de dezembro.
Trago a vocês, leitores e leitoras, um
conto do escritor. O texto não deixa de apresentar uma sutil crítica ao
espírito mercantilista do ser humano; é isso que me faz voltar a lê-lo, e
sempre com uma pontinha de sorriso e de emoção.
Recebam-no como um presente e um
agradecimento, por me distinguirem com seus preciosos tempo e leitura. Espero
que apreciem minha escolha.
A noite em que os hotéis estavam cheios
O casal chegou à cidade
tarde da noite. Estavam cansados da viagem; ela, grávida, não se sentia bem.
Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa
serviria, desde que não fosse muito caro.
Não seria fácil, como
eles logo descobriram. No primeiro hotel o gerente, homem de maus modos, foi
logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou
com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não
tinha, na pressa da viagem esquecera os documentos.
– E como pretende o
senhor conseguir um lugar num hotel, se não tem documentos? – disse o
encarregado. – Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não!
O viajante não disse
nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel também não
havia vaga. No quarto – que era mais uma modesta hospedaria – havia, mas o dono
desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado.
Contudo, para não ficar mal, resolveu dar uma desculpa:
– O senhor vê, se o
governo nos desse incentivos, como dão para os grandes hotéis, eu já teria
feito uma reforma aqui. Poderia até receber delegações estrangeiras. Mas até
hoje não consegui nada. Se eu conhecesse alguém influente... O senhor não
conhece ninguém nas altas esferas?
O viajante hesitou,
depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém nas altas esferas.
– Pois então – disse o
dono da hospedaria – fale para esse seu conhecido da minha hospedaria. Assim,
da próxima vez que o senhor vier, talvez já possa lhe dar um quarto de primeira
classe, com banho e tudo.
O viajante agradeceu,
lamentando apenas que seu problema fosse mais urgente: precisava de um quarto
para aquela noite. Foi adiante.
No hotel seguinte, quase
tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que
viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os
hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda
fez um elogio.
– O disfarce está muito
bom.
– Que disfarce? – perguntou
o viajante.
– Essas roupas velhas
que vocês estão usando, disse o gerente.
– Isso não é disfarce,
disse o homem, são as roupas que nós temos.
O gerente aí percebeu o
engano:
– Sinto muito –
desculpou-se. – Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi
ocupado.
O casal foi adiante. No
hotel seguinte, também não havia vaga, e o gerente era metido a engraçado. Ali
perto havia uma manjedoura, disse, por que não se hospedavam lá? Não seria
muito confortável, mas em compensação não pagariam diária. Para surpresa dele,
o viajante achou a ideia boa, e até agradeceu. Saíram.
Não demorou muito,
apareceram os três Reis Magos, perguntando por um casal de forasteiros. E foi
aí que o gerente começou a achar que talvez tivesse perdido os hóspedes mais
importantes já chegados a Belém de Nazaré.
[SCLIAR, Moacyr. Em: Contos para um Natal brasileiro -
antologia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: IBASE, 1996.]
Até breve...
Que
as festas que aí vêm lhes tragam alegrias e paz.
Um
abraço.
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