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Geroges de La Tour |
Queiramos ou não, gostemos ou não, há um halo mágico em torno do
Natal.
Já ouço discordâncias... Sim, concedo: é tempo de consumismo frenético, gastança além da conta, trânsito acima da média, tumulto em algumas lojas, comilança que gera arrependimentos posteriores. No entanto, também é verdade que as pessoas continuam a enfeitar árvores, a apreciar decoração natalina, a suspirar com esperanças de dias melhores (até as novas gerações) e a lembrar os bons tempos de outrora (o pessoal de mais idade, claro).
Já ouço discordâncias... Sim, concedo: é tempo de consumismo frenético, gastança além da conta, trânsito acima da média, tumulto em algumas lojas, comilança que gera arrependimentos posteriores. No entanto, também é verdade que as pessoas continuam a enfeitar árvores, a apreciar decoração natalina, a suspirar com esperanças de dias melhores (até as novas gerações) e a lembrar os bons tempos de outrora (o pessoal de mais idade, claro).
Minha afirmação tem o aval de poetas consagrados, cujos textos provam
e refletem o que estou dizendo. Se quiserem comprovar, acompanhem-me num
passeio por poemas de Bandeira e Machado, que trazem sentimentos maduros, é
certo, mas ainda impregnados de doce fantasia. Depois, digam-me se no fundo,
bem no fundo, o eco desses sentimentos mais ingênuos, desses desejos de poesia
não permanece no espírito deste nosso tempo.
... Ora, ainda ouço cochichos: como dar atenção apenas ao encanto e às
lembranças que vêm do passado? Onde ficam as marcas do Natal de hoje? Está bem, concedo uma vez mais: é verdade, a magia anda um tanto...
alterada. E, por isso, trago também as impressões menos românticas e ainda mais
atuais de Drummond e Pessoa.
Convido-os a ler e comparar essas visões.
Quando o lirismo ornamenta o Natal
Em Manuel Bandeira, apreciem o sabor da infância que perdura, apesar
dos anos vividos e das tristezas acumuladas.
Versos de Natal
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
[BANDEIRA, Manuel. Estrela da
vida inteira. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1974.]
Em Machado de Assis, observem o saudosismo de quem sente falta das
antigas emoções – e já desconfia de possíveis mudanças, em si ou no tempo
presente.
Soneto de Natal
Um homem, – era
aquela noite amiga,
Noite cristã, berço
do Nazareno, –
Ao relembrar os dias
de pequeno,
E a viva dança, e a
lépida cantiga,
Quis transportar ao
verso doce e ameno
As sensações da sua
idade antiga,
Naquela mesma velha
noite amiga,
Noite cristã, berço
do Nazareno.
Escolheu o soneto… A
folha branca
Pede-lhe a
inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando
contra o metro adverso,
Só lhe saiu este
pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou
mudei eu?”
[ASSIS, Machado de. Disponível em http://www.releituras.com/machadodeassis_soneto.asp]
Quando o
olhar cético invade o Natal
No poema de
Fernando Pessoa, não se encontram nem o vestígio da infância, do Natal de
Bandeira, nem o desejo do sentimento passado, como em Machado.
Agora, o eu
poético declara explicitamente a convenção, a máscara por trás do sentimento.
Em lugar deste, surge, como única verdade associada à data, a sensação física
causada pelo frio, neve ou chuva. Notem que o tom mal-humorado e irônico
aumenta na última estrofe, rechaçando de vez o sentimentalismo.
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é
melhor:
Há a neve que faz
mal,
E o frio que ainda é
pior.
E toda a gente é
contente
Porque é dia de o
ficar.
Chove no Natal
presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser
esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me
arrefece
Tenho o frio e Natal
não.
Deixo sentir a quem
quadra
E o Natal a quem o
fez,
Pois se escrevo ainda
outra quadra
Fico gelado dos pés.
[PESSOA,
Fernando. Cancioneiro. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1977.]
No
poema de Drummond, o olhar crítico é quase cirúrgico, deixando ver entranhas
nem sempre bonitas: percebam como se entrelaçam as frases mais líricas e
convencionais (“o sino longe toca fino... já nasceu o deus menino... a
estrela alumiando”, principalmente) com modos de dizer que destroem o
romantismo: o uso de diminutivos piegas (coitadinho, burrinho, estrelinha, nuzinho) e a repetição de certas palavras e frases, que “acordam”
o leitor de um possível devaneio natalino (“Natal,
mas as filhas das beatas”).
Por fim,
na segunda estrofe, a intercalação e contraposição de duas informações – sobre
as beatas e sobre as filhas – acaba de vez com o clima místico/espiritual e confere
desimportância à data.
O Que Fizeram do Natal
Natal.
O sino longe toca fino,
Não tem neves, não tem
gelos.
Natal.
Já nasceu o deus menino.
As beatas foram ver,
encontraram o coitadinho
(Natal)
mais o boi mais o
burrinho
e lá em cima
a estrelinha alumiando.
Natal.
As beatas ajoelharam
e adoraram o deus
nuzinho
mas as filhas das beatas
e os namorados das
filhas,
mas as filhas das beatas
foram dançar
black-bottom*
nos clubes sem presépio.
*Dança
americana da moda, que veio depois do charleston.
[ANDRADE,
Carlos Drummond de. In Alguma Poesia.
Reunião – 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.]
Quando o Natal tem a nossa marca
Em meio à correria de fim de ano, paro
um pouco e me pergunto: será o Natal de hoje, para cada um de nós, o mesmo do
ano passado, da década passada? Algum dia ele teve encanto? Tem agora? Terá,
nos anos vindouros?
Qual a marca de nosso Natal, neste tempo
em que tantas questões – sociais, ambientais, morais e éticas – se colocam e
avultam à nossa frente? Talvez possa (ou deva) ser a da reflexão e da tomada de
atitude em prol de um objetivo comum. De minha parte, é isso o que espero e
desejo a todos nós.
Abraços natalinos, aos amigos que me
honram com sua leitura e seu olhar benevolente.
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