De
vez em quando todos os olhos se voltam pra mim
De lá do fundo da escuridão,
De lá do fundo da escuridão,
Esperando que eu seja um herói.¹
Outubro é pródigo em motivos para se conversar sobre Educação. Sem esquecer todo o contexto político-eleitoral deste ano, propício ao debate de políticas públicas, o mês comporta datas comemorativas (do Professor, da Criança) e o início da maratona de vestibulares.
Ao mesmo tempo, com a proximidade do
final do ano letivo, as expectativas aumentam, instituições e famílias dão
maior atenção às performances educacionais, às ações realizadas, aos resultados
alcançados. Ouvem-se críticas aos desacertos, ao descaso da escola ante a
realidade de crianças e jovens, à defasagem em relação às tecnologias digitais.
Pela relação direta com o aluno, o
professor (sua formação e competência) é o que mais aparece, natural e
insistentemente, na mira de leigos e especializados. Muitos o apontam como o grande
responsável pela inexistência de uma escola aberta a transformações e denunciam
seu despreparo para lidar com as demandas dos novos tempos.
Na máquina obsoleta, ele seria a peça
mais desgastada. Pleiteia-se uma Escola aberta às alterações necessárias e
inevitáveis, com um Mestre à sua altura. Mas, quem é esse mestre? É um
professor “genérico” (o genérico está em moda...), de um “professorado” sem
nome e sem rosto? Ou é alguém com identidade própria, com sua bagagem de
conhecimentos, seu repertório e suas aflições particulares?
Dados da realidade: coordenadores e
formadores sensíveis, ao trabalhar com o professor, conseguem flagrar – num
intervalo qualquer, na reunião de coordenação ou de formação
acaba, numa pausa momentânea – seu olhar de inquietação, demonstrando a
existência de questões não muito bem resolvidas. “O que faço com o que sei, o
que faço com o que até agora fazia; como harmonizar formas novas de ação com as
expectativas dos pais, das provas oficiais, do vestibular, da direção; como
integrar-me à ação dos colegas, para promover continuidade e progresso de
saberes, se o tempo para trocas e o diálogo entre pares é pouco (e, quem
sabe, a boa vontade também)”?
A verdade é que hoje, mais que ontem, espera-se muito da educação escolar: pensar prioritariamente no aluno, trazer a
sociedade para a escola e levar a escola à sociedade, contemplar a diversidade,
contar com a participação da família e da comunidade, explorar linguagens
tecnológicas... Os múltiplos enfoques levam, manifestamente, alguns professores
a se sentirem “miúdos” e até a questionarem relevâncias, pois é bem difícil
“encaixar” todas as demandas em sua atuação diária.
Além do mais, uma coisa é certa: a
necessidade de mudança não reconfigura automaticamente a cabeça de ninguém –
nem daqueles professores que já percorriam (conformados ou não) alguns trilhos
costumeiramente repisados, nem dos jovens profissionais que ainda abraçam corajosamente
a missão educativa.
Daí, minha pergunta: como as mudanças
e correções de rumo chegam aos professores e são, com eles, trabalhadas? Será
que as escolas (e outros órgãos públicos relacionados), democraticamente, dão ensejo à participação dos professores em
decisões que envolvem estreitamente seu fazer pedagógico? Favorecem encontros e
trocas profissionais? Principalmente: levam
em conta o impacto causado por novas ideias, e seu tempo de amadurecimento e de
compreensão?
Porque, dependendo de como se dá, a
introdução de novas teorias, concepções, conhecimentos e projetos pode ser
recebida como oriunda de um exercício de poder – o poder de quem detém a
palavra e a decisão, o poder de quem, oficialmente, é “o dono da voz”. (“O que é bom para o dono é bom para a voz”,
ironiza Chico Buarque.)
Afinal, as palavras não são inocentes
– nem em si, nem quanto à escolha e o uso que delas se faz. Elas criam,
efetivamente, realidades, uma vez que “o que é dito” é mediado pelo “como é
dito”. E tanto podem conquistar para a união e a ação, como levar ao
individualismo e à passividade. Desse modo, em vez de convite e parceria para o
diálogo e a reflexão (“e se nós fizéssemos...”), poderia estar ressoando, em
direção aos professores, a fala afirmativa e imperativa (“a partir de agora,
é”; “façam”), usada para cercear vozes discordantes e impor vontades.
Vamos comparar: quando o foco são os alunos, advoga-se partir de sua realidade, para uma aprendizagem verdadeiramente significativa. Ora, não pode ser diferente, quando se trata da
formação e do trabalho cotidiano de professores: a ampliação de conhecimentos,
a construção de projetos e a decisão sobre ações só podem se efetuar com base
em sua realidade pessoal e profissional. Há que se levar em conta tanto suas realizações quanto suas
dificuldades; e, inclusive, detectar e compreender resistências em
discursos aparentemente harmônicos e coerentes, mas que encobrem a
defesa de posições cristalizadas e camuflam o esgarçamento de relações e
parcerias.
Sabemos: apesar de inseguranças e
interrogações, existem vários movimentos positivos e alentadores em termos de
Educação. Há exemplos de uma escola que se refaz, que se desconstrói e se
reconstrói continuadamente, buscando parcerias dentro e fora, e aceitando
trabalhar-se para avançar. Há exemplos, também, de um aluno que tem, agora, a oportunidade de
ser visto e ouvido, e de exercer seu protagonismo e liderança, principalmente
por seu conhecimento e manejo do mundo virtual.
![]() |
Augusto de Campos |
E... há o professor. Quer seja aquele
sequioso de ir em frente e otimizar sua missão, ou aquele não muito convencido
nem disposto a sair de seu confortável mundo conhecido, não pode ser um elo
mais ou menos inseguro e perdido do universo escolar. Justamente ele – que é o
executor, o “movimento com cérebro e
coração”, da escola que se quer dinâmica e em contínua reinvenção – precisa
ser incluído (e incluir-se), de fato, na gestão democrática da instituição para a
qual contribui com seu trabalho.
Que a
vocação educativa, o trabalho e empenho de todo Professor recebam o olhar, o
gesto e a participação solidária dos demais responsáveis pela Educação. Só
assim, sua ação poderá ser propositiva e autoral.
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