Já disse
e repito: procuro ancorar minhas propostas para o ensino e a aprendizagem de Língua
Materna no quadro mais amplo da Educação Integral, que envolve, além da
interdisciplinaridade, pelo menos e necessariamente: o aluno, o professor, a
comunidade escolar e a família.
Nesse
contexto, alimento-me de experiências e ideias de outros Educadores, pois isso
me leva a repensar ou aprofundar conceitos, ampliar perspectivas e manter-me em
aprendizado constante. Aliás, a circulação desses importantes saberes é essencial
para que a discussão sobre a missão educativa se amplie e possa alcançar toda a
sociedade.
É com
esse intuito que transcrevo, hoje, o texto de Lilian Silva, professora de
História e Filosofia e, mais que tudo, mestra de atuação formadora e
transformadora.
Hermenêutica & encantamento
Quando eu era menina, ouvia meu pai – que eu achava um gênio! – falar da “Teoria da Hermenêutica”, a cada vez que desejava se furtar de me dar explicações sobre o sem-número de perguntas que eu lhe fazia.
Quando eu era menina, ouvia meu pai – que eu achava um gênio! – falar da “Teoria da Hermenêutica”, a cada vez que desejava se furtar de me dar explicações sobre o sem-número de perguntas que eu lhe fazia.
Um dia,
farta da minha ignorância e de ter que engolir a dúvida, para não me expor
ainda mais à humilhação (meu pai não era fácil e não perdoava minha
ignorância...), superei o comodismo e fui atrás do
famoso “pai dos burros” que, aliás, em casa, não era guardado nem na estante;
ficava à mão, sobre a geladeira, à guisa de pinguim, porque era, normalmente,
às refeições, que papeávamos e quando apareciam as dúvidas. Estava lá (segundo
Houaiss): “1. ciência, técnica que tem por objeto a interpretação de textos
religiosos ou filosóficos; 2. interpretação dos textos, do sentido das
palavras; 3. teoria, ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor
simbólico”. Reza a tradição que a etimologia remonta à mitologia grega, uma vez
que Hermes “traduzia” as mensagens dos deuses do Olimpo aos seres humanos. Bem,
nada tão complicado, claro! E meu pai parou de me enrolar para não responder ao
que eu perguntava.
Porém, a história não acaba aqui. Ao enveredar para a
Educação, o termo tomou novos significados para mim... O professor, concluí,
nada mais é do que um especialista em hermenêutica. E eu tenho pensado muito
nisso...
Os professores estudam, pesquisam, se informam, relacionam as
informações, gerando conhecimento e, tradicionalmente, teriam que “transmitir”
isso aos alunos. E de um jeito digerível à faixa etária do educando.
Hermenêutica? Claro! “Traduzimos” os saberes acumulados e produzidos em determinada
área e os proporcionamos, mais organizados, mais adaptados, mais convidativos,
aos alunos.
E só?? Não. Aí é que a tal hermenêutica me faz pensar. É
insuficiente “traduzir” e adaptar as formas de apresentar as informações,
conceitos, saberes. A hermenêutica exercida pelo professor é mais árdua,
complexa e envolvente do que a do próprio Hermes, afinal, que mortal não se
interessaria pelas mensagens dos deuses? Já alunos... E disciplinas escolares
não vêm com o mesmo chamado à curiosidade natural que provocam as falas
divinas. O professor precisa, de alguma forma, encantar os alunos para que eles
se interessem pela “mensagem”. E isso dá um trabalhão.
Não basta mostrar como é legal entender o que houve no
passado que explica nosso presente, não basta expor as palavras e como elas se
relacionam, como os números são encantadores, como funcionam os ciclos da
natureza, como a Terra se formou e como os seres humanos dela se apoderaram...
Não basta colocar o conhecimento “traduzido” frente aos olhos dos alunos. É necessário
cuidar desses olhos.
A hermenêutica da prática do professor inclui, também,
ensinar o aluno a pensar, provocando sua curiosidade. É necessário, ainda,
incentivar a fome de aprender. Instigar, problematizar, questionar, incentivar
a imaginação. Abrir os olhos... Aprender é dolorido e trabalhoso. Há que se
abrir mão de uma verdade-provisória e assumir o “eu não sei”. Só assim, o
aprendente está pronto para a novidade. Assumir a própria ignorância –
essencial para a vinda de novos saberes -, sem grandes dramas, pode também ser
ensinado.
Como tudo isso???? Pela forma mais eficiente – se não a única
– de educar: pelo exemplo. Para que os alunos vivenciem a aprendizagem, é
necessário que haja uma relação dialógica entre professor e aluno, na qual os
conhecimentos são recíprocos. Sendo assim, é preciso que se entenda a sala de
aula como um espaço de relações entre os sujeitos – principalmente!!!! –,
objetos, vivências, saberes e símbolos.
Um professor burocrático, sem entusiasmo por aprender, pela
vida, sem olhos curiosos sobre o mundo e os conhecimentos, sobre seus alunos e
sua prática, terá muita dificuldade em provocar nos estudantes a fome de
aprender.
E a hermenêutica? Aplicando o vocábulo à Educação, é
complexa, porque é via de duas mãos: o professor deve ter por objetivo tornar
seu aluno uma pessoa melhor. Reciprocamente, o aluno faz exatamente a mesma
coisa com o professor... É muito mais do que tradução, no caso da Educação. É
vivência!
[Lilian Silva,
em 16/05/2014]
Coda
Permitam-me acrescentar
apenas um pensamento ao último parágrafo da sensível educadora: o que se passa
idealmente entre aluno e professor é vivência,
sim; e é, em última análise, a saudável cooperação para instaurar a tão
almejada autoria: na convivência, na
aprendizagem, na vida.
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