Gregório de Matos nasceu na Bahia, no dia 7 de abril de 1633. Não, não, em 1636. Ou foi em 23 de dezembro de 1623?
Até nesses dados simples, nós nos
deparamos com suas contradições...
Gregório de Matos Guerra: o filho de
fidalgo, advogado formado pela Universidade de Coimbra, intelectual e poeta que
chegou a escrever suas argumentações em versos. Mas, também, o irrequieto
boêmio, crítico feroz da nobreza e do clero, da política e da corrupção de seu
tempo, o que lhe valeu a deportação para Angola.
Foi o lírico, a derramar sentimentos,
ideais e religiosidade; porém, do mesmo modo, foi o autor de versos que vão da
crítica social ao deboche e à obscenidade.
Alguns historiadores, inclusive,
citam-no como criador de modinhas e lundus, o que lhe daria direito ao título
de primeiro compositor popular brasileiro.
Para nós, aqui e agora, Gregório de
Matos é, sobretudo, o responsável pela urdidura cambiante dessas múltiplas
faces, que se revelam nos poemas que se seguem. Neles, vislumbra-se o escritor
“maldito”, apelidado de “Boca do Inferno” por sua contundência e mordacidade
(em criações que fazem lembrar, até, as cantigas de escárnio dos trovadores da
Idade Média), bem como o poeta sério e introspectivo, com versos carregados de
expressões, antíteses e conflitos próprios da poesia (barroca) de seu tempo.
O
poeta idílico
Aqui, estão claramente presentes elementos
próprios da poesia barroca, como as indagações, os termos contrastantes e
opositivos (nascimento e morte, luz e sombra, tristeza e alegria) e o paradoxo
final: a constância... da inconstância:
Soneto
Nasce
o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois
da Luz se segue a noite escura,
Em
tristes sombras morre a formosura,
Em
contínuas tristezas a alegria.
Porém
se acaba o Sol, por que nascia?
Se
formosa a Luz é, por que não dura?
Como
a beleza assim se transfigura?
Como
o gosto da pena assim se fia?
Mas
no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na
formosura não se dê constância,
E
na alegria sinta-se tristeza.
Começa
o mundo enfim pela ignorância,
E
tem qualquer dos bens por natureza
A
firmeza somente na inconstância.
O
poeta devoto
Ainda e sempre, as antíteses. Entre as
tantas que o leitor cuidadoso irá descobrir, enumero estas: no desamparo do
Cristo, o eu poético percebe a sua própria proteção; no sofrimento da
crucificação, a felicidade de sua salvação. Por fim, e para fechar o soneto, as
oposições se resolvem no desejo da criatura pecadora de unir-se ao crucificado
que a resgata.
Buscando a Cristo
A
vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa
cruz sacrossanta descobertos
Que,
para receber-me, estais abertos,
E,
por não castigar-me, estais cravados.
A
vós, divinos olhos, eclipsados
De
tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois,
para perdoar-me, estais despertos,
E,
por não condenar-me, estais fechados.
A
vós, pregados pés, por não deixar-me,
A
vós, sangue vertido, para ungir-me,
A
vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me
A
vós, lado patente, quero unir-me,
A
vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para
ficar unido, atado e firme.
Devoto,
mas...
No poema a seguir, além das antíteses sempre presentes e do tom de religiosidade,
notem a espécie de rebeldia que aflora na argumentação (quase chantagem...) do
eu poético – o não resgate da ovelha desgarrada seria a perda de glória por
parte do Pastor Divino:
A Jesus Cristo Nosso Senhor
Pequei,
Senhor; mas não porque hei pecado,
Da
vossa alta clemência me despido;
Antes,
quanto mais tenho delinquido,
Vos
tenho a perdoar mais empenhado.
Se
basta a vos irar tanto pecado,
A
abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que
a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos
tem para o perdão lisonjeado.
Se
uma ovelha perdida já cobrada,
Glória
tal e prazer tão repentino
Vos
deu, como afirmais na Sacra História:
Eu
sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a;
e não queirais, Pastor Divino,
Perder
na vossa ovelha a vossa glória.
O
poeta crítico e satírico
Confiram o uso da ironia, do deboche e
da sonoridade para reforçar a censura e a denúncia. Observem, especialmente, o
“trava-línguas” e a brincadeira com as terminações do último terceto:
Soneto
Neste
mundo é mais rico, o que mais rapa:
Quem
mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com
sua língua ao nobre o vil decepa:
O
Velhaco maior sempre tem capa.
Mostra
o patife da nobreza o mapa:
Quem
tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem
menos falar pode, mais increpa:
Quem
dinheiro tiver, pode ser Papa.
A
flor baixa se inculca por Tulipa;
Bengala
hoje na mão, ontem garlopa:
Mais
isento se mostra, o que mais chupa.
Para
a tropa do trapo vazio a tripa,
E
mais não digo, porque a Musa topa
Em
apa, epa, ipa, opa, upa.
Um
epílogo, ainda crítico
Embora mais conhecido, merece registro
o poema que se segue – modelarmente crítico, ferino, irreverente e, em vários aspectos,
particularmente atual:
Epílogos
(Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da república)
Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?...
Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.
Quais são seus doces objetos?...
Pretos.
Tem outros bens mais maciços?...
Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?...
Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos?...
Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?...
Guardas.
Quem as tem nos aposentos?...
Sargentos.
Os círios lá vêm aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.
E que justiça a resguarda?...
Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?...
Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
...........................................
O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, morreu.
A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não
quer.
É que o Governo a convence?... Não
vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.
Fonte:
http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/
http://www.jornaldepoesia.jor.br/
http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/
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