Lobos
e cordeiros
A matéria anterior, de 12/11/2013, levantou
uma ponta dessa enorme riqueza dialógica de signos humanos, por meio da abordagem
de algumas fábulas, relacionadas entre si e com alguns movimentos populares.
Para ampliar o espectro, relembro,
agora, O Lobo e o Cordeiro, fábula por
certo conhecida dos leitores.
Das várias versões,
escolhi a de Esopo e mais três, de escritores brasileiros: Lobato, Millôr e
Veríssimo. As duas primeiras apresentam a moral convencional, com a clara
delimitação do bem e do mal, defesa do mais fraco e crítica ao abuso de poder
do mais forte.
As outras, em tom de paródia, escancaram com
veemência a (não) moral, a falta de ética e os conchavos ditados por interesses
pessoais. Não passarão despercebidas as referências ao contexto histórico mais
próximo (a tecnologia, a questão ambiental), além da indiferenciação entre cordeiros
e lobos, bem e mal, mocinhos e bandidos. (Sinal dos tempos?)
Cada leitura é sempre um chamado a
novas ideias. Espero que seja assim para você, leitor. Que os textos –
principalmente a relação entre eles e com aspectos da vida – possam provocar
elaborações e novas construções mentais, a serem registradas (ou não...) em
algum tipo de linguagem.
Leia, compare e, se quiser, tome o partido de lobos ou de cordeiros; enfim,
tire suas conclusões.
Boa vivência!
O lobo e o cordeiro
Ao ver um cordeiro à beira de um riacho, o
lobo quis devorá-lo, mas era preciso ter uma boa razão. Apesar de estar na
parte superior do riacho, acusou-o de sujar a água, o que o impedia de matar a
sede. O cordeiro se defendeu:
– Eu bebo com a ponta dos lábios e, mesmo,
como eu ia sujar a água se ela está vindo daí de cima, onde tu estás?
Como ficou sem saber o que dizer, o lobo
replicou:
– Sim, mas no ano passado insultaste meu pai.
O carneiro respondeu:
– Eu nem era nascido...
O lobo não se calou:
– Podes
te defender como quiseres que não deixarei de te devorar.
Moral: Quando
alguém está disposto a nos prejudicar, de nada adianta nos defendermos.
Esopo. Fábulas.
L&PM Pocket
O lobo e o cordeiro
Estava o cordeiro
a beber num córrego , quando apareceu um
lobo esfaimado, de horrendo
aspecto .
– Que
desaforo é esse
de turvar a água
que venho beber ?
– disse o monstro arreganhando os dentes . Espere, que
vou castigar tamanha
má-criação !...
O cordeirinho, trêmulo
de medo , respondeu com
inocência :
– Como
posso turvar a água
que o senhor
vai beber, se ela
corre do senhor para mim ?
– Além
disso – inventou ele – sei que você andou falando mal de mim o ano passado .
– Como
poderia falar
mal do senhor
o ano passado ,
se nasci este ano ?
– Se não
foi você , foi seu
irmão mais
velho , o que
dá no mesmo .
– Como
poderia ser o
meu irmão
mais velho ,
se sou filho único ?
O lobo ,
furioso , vendo que
com razões
claras não
vencia o pobrezinho, veio com uma razão
de lobo faminto :
– Pois se não foi seu irmão , foi seu pai ou seu avô !
– E – nhoque ! Sangrou-o no pescoço .
Moral:
Contra
a força não
há argumentos .
LOBATO,
Monteiro. São Paulo: Brasiliense, 1966.
O lobo e o cordeiro
Estava o
cordeirinho bebendo água, quando viu refletida no rio a sombra do lobo.Estremeceu, ao mesmo tempo que ouvia a voz cavernosa:
"Vais pagar com a vida o teu miserável crime"."Que crime?" – perguntou o cordeirinho
tentando ganhar tempo, pois já sabia que com o lobo não adianta argumentar."O crime de sujar a água que bebo". "Mas como sujar a água que bebes se sou lavado
diariamente pelas máquinas automáticas da fazenda?" - indagou o
cordeirinho. " Por mais limpo que esteja um cordeiro é sempre sujo para um
lobo" – retrucou dialeticamente o lobo."E
vice-versa" - pensou o cordeirinho, mas disse apenas: "Como posso
sujar a sua água se estou abaixo da corrente?"Pois se não
foi você foi seu pai, foi sua mãe ou qualquer outro ancestral e vou comê-lo de
qualquer maneira, pois como rezam os livros de lobologia, eu só me alimento de
carne de cordeiro" – finalizou o lobo preparando-se para devorar o
cordeirinho."Ein moment! Ein moment! – gritou o cordeirinho
traçando o seu alemão kantiano."Dou-lhe toda
razão, mas faço-lhe uma proposta: se me deixar livre atrairei pra cá todo o
rebanho"."Chega de conversa" – disse o lobo –
"Vou comê-lo, e está acabado." "Espera
aí" – falou firme o cordeiro – isto não é ético.Eu
tenho, pelo menos, direito a três perguntas"."Está
bem" – cedeu o lobo irritado com a lembrança do código milenar da jungle.– "Qual é o animal mais estúpido do mundo?" "O homem casado" – respondeu
prontamente o cordeiro."Muito bem, muito bem!" – disse logo o lobo, logo refreando,
envergonhado, o súbito entusiasmo."Outra: a
zebra é um animal branco de listas pretas ou um animal preto de listas brancas?" "Um animal sem cor pintado de preto e
branco para não passar por burro".– respondeu o
cordeirinho."Perfeito!" – disse o lobo engolindo a seco."Agora, por último, diga uma frase de Bernard
Shaw"."Vai haver eleições em 66." – respondeu logo
o cordeirinho mal podendo conter o riso."Muito bem,
muito certo, você escapou!" – deu-se o lobo por vencido.E já ia se preparando para devorar o cordeiro quando
apareceu o caçador e o esquartejou.
Moral:Quando o lobo tem fome
não deve se meter em filosofia.
FERNANDES, Millôr. Fábulas
fabulosas. Disponível em: www2.uol.com.br/millor/fabulas/004.htm.
A solução
O sr. Lobo encontrou o sr. Cordeiro e se
queixou de que a fábrica do sr. Cordeiro estava poluindo o rio que passava
pelas terras do sr. Lobo, matando os peixes, espantando os pássaros e, ainda
por cima, cheirando mal. O sr. Cordeiro argumentou que, em primeiro lugar, a
fábrica não era sua, era do seu pai, e em segundo lugar não poderia fechá-la,
pois isto agravaria o problema do desemprego na região, e o sr. Lobo certamente
não iria querer bandos de desempregados nas suas terras, pescando seu peixe,
matando seus pássaros para assar e comer e ainda por cima cheirando mal.
Instale equipamento antipoluente, insistiu o sr. Lobo. Ora, meu caro, retrucou
o sr. Cordeiro, isso custa dinheiro, e para onde iria meu lucro? Você certamente
não é contra o lucro, sr. Lobo, disse o sr. Cordeiro, preocupado, examinando o
sr. Lobo atrás de algum sinal de socialismo latente. Não, não, disse o sr.
Lobo, mas isto não pode continuar. É uma agressão à Natureza e, o que é mais
grave, à minha Natureza. Se ainda fosse à Natureza do vizinho... E se eu não
parar?, perguntou o sr. Cordeiro. Então, respondeu o sr. Lobo, mastigando um
salgadinho com seus caninos reluzentes, eu seria obrigado a devorá-lo, meu
caro. Ao que o sr. Cordeiro retrucou que havia uma solução. Por que o senhor
não entra de sócio na fábrica Cordeiro e Filho? Ótimo, disse o sr. Lobo. E
desse dia em diante não houve mais poluição no rio que passava pelas terras do
sr. Lobo. Ou, pelo menos, o sr. Lobo nunca mais se queixou.
VERÍSSIMO, Luís Fernando Veríssimo. Revista Nova Escola, ano III. Nº 19,
mar. 1988.
Reflexão
importante
“A
literatura permite reescrever a vida e, às vezes, mudá-la por via da
consciência crítica a que os leitores têm acesso. A passagem do tempo também
permite que a literatura se renove e sobreviva, pois se abre à pluralidade de
novos e diferentes finais.”
MICHELLI, Regina Silva. A fábula e suas armadilhas. Disponível em: http://alb.com.br/arquivo- morto/edicoes_anteriores/anais16/sem08pdf/sm08ss05_02.pdf.
MICHELLI, Regina Silva. A fábula e suas armadilhas. Disponível em: http://alb.com.br/arquivo- morto/edicoes_anteriores/anais16/sem08pdf/sm08ss05_02.pdf.
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