Os textos dialogam
Na matéria anterior (“Como se aprende a escrever?”), escrevi sobre os vários modos
possíveis de se caminhar rumo à escrita autônoma, começando por algo semelhante
a “colas”, ou, mais exatamente, por práticas que consistem em decalcar,
reproduzir ou continuar textos existentes – em suma, intervir neles ou a partir
deles, dando-lhes feições outras que não as originais.
Longe de serem mero plágio, tais procedimentos são
portas para a criação independente e estabelecem diálogos fecundos entre
textos. Como diz Maria
da Graça Abreu¹: “Assim como as palavras, textos dialogam, continuamente, uns
com os outros. Incorporam ideias, citações e temas; incorporam palavras,
frases, períodos, estruturas inteiras; ‘devoram’ elementos, misturam
referências, operam deslocamentos. Desafiam o leitor a resgatar a memória de
outras leituras... É fazer criativo, diálogo histórico, contínuo, ininterrupto
e tributário de repertórios, temas, textos, gêneros.”
Ler, conhecer, apropriar-se do
texto por meio de transformação “alquímica”: escritores
famosos também se valeram desse recurso, para com ele compor
suas joias literárias. Um dos casos mais conhecidos tem como base o poema
“Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. Ei-lo:
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
¹ Educadora, assessora de LP,
especialista em alfabetização.
A
retomada da palavra do outro
Leitor
ou leitora, compare a Canção do Exílio original a outras versões, de nomes
consagrados (abaixo) – que a retomam e a releem, numa operação de intertextualidade. Repare: uns a reinterpretam
criticamente e com certo humor (por vezes, ácido), produzindo paródias; outros
usam de paráfrase e aproveitam, na elaboração de seu poema, certa ideia
romântica e saudosa da criação de Gonçalves Dias.
Canção
do Exílio
Murilo Mendes
Minha terra tem
macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
[...]
Eu morro sufocado em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas são mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
onde cantam gaturamos de Veneza.
[...]
Eu morro sufocado em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas são mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera
chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
Nova
Canção do Exílio
Carlos Drummond de Andrade
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
E o maior amor.
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
E o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
Onde tudo é belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá
na palmeira, longe.)
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá
na palmeira, longe.)
Ainda um grito de
vida e
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.
Nova
Canção do Exílio
Ferreira
Gullar
Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos
Canto
do regresso à pátria
Oswald de Andrade
Minha terra tem
palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem
mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e
rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus
que eu morra
Sem que eu volte para são Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo
Sem que eu volte para são Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo
Uma canção
Mário
Quintana
Minha terra não
tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
Minha
terra tem relógios,
Cada qual com sua hora
Nos mais diversos instantes...
Mas onde o instante de agora?
Cada qual com sua hora
Nos mais diversos instantes...
Mas onde o instante de agora?
Mas onde
a palavra "onde"?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio!
Jogos Florais I
Cacaso
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o
Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
Sabiá
Chico Buarque e Tom Jobim
Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir
Cantar uma Sabiá...
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir
Cantar uma Sabiá...
Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia...
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia...
Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer...
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer...
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar...
E a solidão vai se acabar...
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar...
E a solidão vai se acabar...
Nós,
autores
Em minhas andanças virtuais, encontrei
ainda este, sem citação de autor. Transcrevo
o início, para registrar o fato de que nós, não famosos, não poetas
profissionais, podemos, sim, transformar nosso tempo, nosso espaço, nossa vida
em palavras que relembram e recriam as do poeta romântico:
Minha terra tem buracos
Onde meu pneu pode estourar
As valas que vivem cheias
Parecem que ficam a me mirar
Onde meu pneu pode estourar
As valas que vivem cheias
Parecem que ficam a me mirar
Nosso asfalto tem mais crateras
Nosso céu não tem mais cores
Nosso Estado é de miséria
A miséria dos horrores
Nosso céu não tem mais cores
Nosso Estado é de miséria
A miséria dos horrores
Ao resmungar sozinho, de dia
Mais um buraco encontro eu lá
E sentado no chão quente
Fico à espera de um borracheiro chegar.
[...]
Mais um buraco encontro eu lá
E sentado no chão quente
Fico à espera de um borracheiro chegar.
[...]
Você,
leitor
Caro leitor, como é sua terra?
Talvez você possa até imaginar, em vez
do solo material, uma região interior/espiritual que mereça ser relembrada e
exaltada. Para qualquer caso, que tal tomar o texto de Gonçalves Dias, para produzir
e, quem sabe, publicar a sua versão?
Para dar coragem, servem
como ótimo estímulo as palavras de Maria da Graça Abreu, referindo-se à
constante apropriação de ideias que todos nós fazemos: “Afinal, a grande parte
das palavras que usamos mantém-se a mesma desde sempre. Apropriando-nos delas e
passando a usá-las dessa forma, somos menos críticos e criativos por causa
disso?”
Portanto, vamos ao seu
poema!
TENHO UM POEMA QUE COPIEI HÁ MUITOS ANOS E COMO ESTÁ FALTANDO UMA PARTE, GOSTARIA DE SABER ONDE POSSO ENCONTRAR. pRA MIM , O TÍTULO É NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO DE PAULO MENDES CAMPOS : SEGUE UM TRECHO
ResponderExcluirmINHA TERRA TEM DINHEIRO , QUE SÓ CANTA EM OUTRA TERRA, VOU PEGAR NUM CADIEIRO, ME MANDAR PRA INGLATERRA.
Bom dia,
ExcluirPor favor, mande-me seu contato para meu e-mail (lilianarradi@gmail.com) e lhe responderei.
Atenciosamente,
Lilian Arradi
Peço licença para escrever aqui minha poesia sobre Jaú, minha terra:
ResponderExcluirParódia para minha terra
Minha terra tem palmeiras,
e sabiás-laranjeira;
dezenas de passarinhos
no ar, telhados e ninhos
em delicioso gorjear.
Minha terra tem terra roxa,
tão boa pra cultivar!
E tem águas generosas,
fauna e flora graciosas.
Não permita Deus que eu morra
sem que a veja prosperar...
Minha terra tem história,
“causos” de gente valente
que ficaram na memória.
Minha terra tem coqueiros,
tem paineiras, flamboyans,
tem doces canaviais
e brilhantes cafezais.
Tem pomares de mangueiras,
limoeiros, goiabeiras...
- e pra maior felicidade –
lindas jabuticabeiras!
Minha terra tem pastagens
onde o vento vem dançar;
tem mugido de boiadas,
tem galos nas madrugadas
e relinchos nos currais.
Manhãs de céu muito azul,
luar, céu todo estrelado
e pôr de sol inflamado!
Permita Deus que aqui eu morra,
que aqui eu possa descansar...
Tem rio que corta a cidade
espelhando o sol e a lua;
Também tem rios de promessas
proferidas e esquecidas
quando passam as eleições;
- necessidades prementes
pra cidade e para a gente
desta terra tão querida!
Maria Toledo Arruda Galvão de França