Os
textos originais
A você, leitor ou leitora que se interessou pelos textos lacunados da postagem anterior – Dois velhinhos e O retrato do rei –, transcrevo, agora, as narrativas originais, dando o merecido crédito a seus legítimos autores – Dalton Trevisan e Malba Tahan (respectivamente). Além de servirem de confrontação aos que aceitaram a proposta de preencher os vazios e elaborar criação própria, espero que proporcionem bons momentos de leitura a todos.
A você, leitor ou leitora que se interessou pelos textos lacunados da postagem anterior – Dois velhinhos e O retrato do rei –, transcrevo, agora, as narrativas originais, dando o merecido crédito a seus legítimos autores – Dalton Trevisan e Malba Tahan (respectivamente). Além de servirem de confrontação aos que aceitaram a proposta de preencher os vazios e elaborar criação própria, espero que proporcionem bons momentos de leitura a todos.
Dois
velhinhos
Dois pobres inválidos, bem velhinhos,
esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o outro
espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja,
perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha no poste.
Mais tarde:
— Uma menina de vestido branco pulando corda.
Ou ainda:
— Agora é um enterro de luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu
canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal
debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã. Bem
desconfiava que o outro não revelava tudo.
Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na
cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um
monte de lixo.
[TREVISAN, Dalton. In mistérios de Curitiba. Record, 1979.]
O
retrato do rei
Era uma vez um rei
estúpido, que tinha um nariz torto, monstruoso, horrível.
Não percebia, porém, o
pobre monarca, a enormidade do seu defeito; julgava-se, ao contrário, um
verdadeiro tipo de beleza masculina. Infeliz daquele que zombasse, ou de leve
se referisse ao narigão disforme do rei! Punha a língua à mostra na forca mais
próxima!
Um dia, o rei Mahendra– já
me esquecia de dizer que era este o nome do rei narigudo – disse ao seu
ministro:
– Quero ter aqui, no
palácio, um retrato meu, cuja perfeição e fidelidade todos hajam de gabar.
O ministro mandou chamar
os melhores pintores do país. O prêmio prometido ao mais hábil era magnífico:
um elefante, um palácio e uma caixa de joias.
Apresentaram-se três artistas que
passavam por habilíssimos: Kedar, pintor da corte, Meryem, de origem árabe, e o
jovem Fauzi Nalik, sírio de grande talento.
Kedar, tomando da tela, fez surgir, de
sob seus ágeis pincéis, um retrato perfeito do rei; reproduziu o nariz do
monarca exatamente como o modelo se lhe mostrava –enorme e monstruoso.
Quando o rei Mahendra viu a figura
grotesca, nitidamente reproduzida no quadro, ficou furioso:
– Atrevido! Miserável! Fazer de mim
semelhante monstrengo!
E mandou enforcar o pintor.
Meryem, o segundo artista, ao ver o
triste fim de seu companheiro, achou prudente não imitar a escola realista de
seu malogrado colega. Isto de pintar os soberanos tal como eles são deu sempre
mau resultado.
E o árabe retratou o rei, fazendo-o
perfeito em todos os traços fisionômicos. Era aquilo uma verdadeira obra de
arte.
Enfureceu-se ainda mais o monarca ao
ver o novo trabalho. A figura feita por Meryem era bela e em nada se parecia
com o original de nariz singularmente feio.
– O Belzebu desse pintor quer zombar
de mim! – gritou colérico. – Esse retrato em nada se parece comigo! É, antes,
um verdadeiro escárnio.
E mandou enforcar o infeliz Meryem.
Chegou, finalmente, a vez do jovem
Fauzi Nalik, o pintor sírio.
–- Estou perdido! – disse ele aos seus
botões. – Se pinto o rei de nariz torto, vou para a forca; se lhe endireito a
cara, sou enforcado!
E todos na cidade já lhe lamentavam,
por antecipar, o triste fim.
– No dia em que ele der o último
retoque no retrato do rei, vai direitinho levar o pescoço ao baraço!
Mas, com espanto geral, tal não
aconteceu. O monarca ficou encantado com o trabalho do talentoso Fauzi Nalik.
– Este, sim – proclamou vaidoso e satisfeito,
– esse é o meu verdadeiro retrato.
E mandou que sem mais demora se
entregasse ao moço a prometida e valiosa recompensa: um elefante, um palácio e
uma caixa de joias.
Quando Fauzi Nalik, radiante e feliz,
deixou o palácio real, viu-se cercado dos amigos, que o cumulavam de perguntas:
– Então? Como conseguiste o milagre?
Pintaste o rei de nariz torto ou sem nariz? Conta-nos lá a proeza.
– Pois vou contá-la – respondeu o
inteligente moço. – Pintei o rei exatamente como ele é. Tive, porém, a ideia de
imaginá-lo a caçar tigres, e a arma que ele levava ao rosto tapava-lhe
perfeitamente o nariz grotesco e monstruoso!
E, ao afastar-se, risonho,
acrescentou:
– Se o aleijão do rei Mahendra, ao
invés de ser no nariz, fosse nas pernas, eu o teria pintado a banhar-se num
lago com água até a cintura.
[TAHAN, Malba. In Lendas do Deserto, Record, 1996.]
Para
finalizar
Os que se dispuseram a criar sua
própria versão devem ter percebido que:
- a seleção de termos possibilita ao escritor escolher vários rumos para sua história;
- no entanto, a escolha de um termo não é aleatória, ou seja: é preciso condicionar sua escolha a outras escolhas já feitas, sob pena de perder a ligação e coerência entre ideias;
- por fim: qualquer que seja o resultado final, este pode ser um exercício de criação e de... gramática, bem mais interessante que memorizar ou identificar lista de adjetivos e advérbios.
- a seleção de termos possibilita ao escritor escolher vários rumos para sua história;
- no entanto, a escolha de um termo não é aleatória, ou seja: é preciso condicionar sua escolha a outras escolhas já feitas, sob pena de perder a ligação e coerência entre ideias;
- por fim: qualquer que seja o resultado final, este pode ser um exercício de criação e de... gramática, bem mais interessante que memorizar ou identificar lista de adjetivos e advérbios.
Mais que isso: o estudo, assim
conduzido, não apenas traz consigo o prazer da criação e da escrita, mas também
confere maior liberdade ao falante e escrevente, pelo aumento de repertório
linguístico, possibilidade de exprimir ideias mais complexas, enfim: pela mais
ampla competência para usar a língua e, por meio dela, atuar socialmente.
Vale recorrer a Michèle Petit:
(citando o filósofo Marc-Alain Ouaknin), para confirmar o valor de tal liberdade:
“...o peso e a leveza do ser dependem primeiro de uma liberdade linguística.
[...] Uma fala livre abre o ser para a sua leveza e, inversamente, uma fala
presa carrega-o para baixo e confere peso ao que já é pesado.” ¹
¹ PETIT, Michèle. A arte de ler – ou
como resistir à adversidade. Ed. 34,
2009.
Nossa,até que enfim encontrei.Ví outras versões,mas era essa original,que ví em tempos de escola.Obrigado pela postagem.
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