O
que tem a ver?
Comecei a matéria anterior sobre
narrativa, adjetivos e advérbios, com a dúvida de um pai, em seu cuidado para
auxiliar o filho estudante: “Afinal, o que tem a ver estudo de adjetivos e
advérbios, com a criação de uma narrativa?”
Para chegar a uma resposta, parti da
produção textual de um aluno de 5º ano, que empregava adequadamente aquelas
categorias gramaticais. Depois, comparei seu texto à minha própria versão,
reduzida e limitadora, pois dela excluí muitas informações importantes do
original. Você, leitor que me acompanhou, deve ter concordado com a seguinte
conclusão: adjetivos e advérbios são indispensáveis à narrativa (e não só a ela!),
porque a enriquecem e criam sentidos que lhe “dão colorido”.
Por outro lado, podemos ir mais longe,
pois, na verdade, aquela pergunta encobre outra, mais abrangente: “o que a
produção de texto tem a ver com o estudo de gramática em geral?”
Para
que serve?
Muito se diz do estudo de gramática
sem sentido e desconectado da realidade. De fato, tantas vezes alunos (e pais) questionam,
diante de estudos gramaticais: “O que isso tem a ver comigo?” – questionando o
sentido de tal estudo para sua vida; e, por extensão: “O que eu faço com isso,
para que me serve?” – indagando sobre onde, como e quando usar tal
conhecimento.
Pois bem: desvelar o funcionamento de
determinadas palavras e classes de palavras no texto é excelente oportunidade de dar sentido a esse estudo,
vinculando-o às formas de expressão da vida – real ou ficcional – e mostrando
sua importância, por meio das variações
de sentido que cada mudança, supressão ou acréscimo de palavras e expressões
acarreta. Pois que a gramática só
tem sentido enquanto a serviço do uso, enquanto contribui para ajudar a
ler, a escrever e a falar textos cada vez mais significativos, ricos e
complexos.
Será
verdade?
Só a experiência pessoal conduz à
comprovação de verdades e mentiras...
Por isso, desta vez, proponho a quem
me lê exercitar-se um pouco, a fim de comprovar as variações de sentido (ou sua
falta), em dois textos dos quais foram suprimidos advérbios (o primeiro) e
adjetivos (o segundo).
Sugiro os seguintes passos:
- leia o primeiro texto, como está, procurando algum sentido (ou sentidos);
- preencha as lacunas com advérbios;
- repita os passos com o segundo texto, mas, agora, preenchendo as lacunas com adjetivos.
- leia o primeiro texto, como está, procurando algum sentido (ou sentidos);
- preencha as lacunas com advérbios;
- repita os passos com o segundo texto, mas, agora, preenchendo as lacunas com adjetivos.
1º
texto. Dois velhinhos
(As lacunas indicam ausência de advérbios ou de expressões adverbiais – de tempo, lugar, modo, etc.)
(As lacunas indicam ausência de advérbios ou de expressões adverbiais – de tempo, lugar, modo, etc.)
Dois pobres inválidos, [...] velhinhos,
esquecidos [...].
[...], retorcendo os aleijões e esticando a
cabeça, apenas um podia olhar [...].
[...], o outro espiava a parede úmida, o
crucifixo negro, as moscas [...]. [...], perguntava o que acontecia.
Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha [...].
[...]:
— Uma menina de vestido branco pulando corda.
Ou [...]:
— [...] é um enterro de luxo.
[...], o amigo remordia-se [...]. O [...]
velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado [...] [...].
[...] dormiu, antegozando a manhã. [...]
desconfiava que o outro [...] revelava [...].
Cochilou [...] — era dia. Sentou-se [...],
[...] espichou o pescoço: entre [...], [...], um monte de lixo.
2º
texto. O retrato do rei
(As lacunas indicam ausência de adjetivos ou de expressões adjetivas.)
(As lacunas indicam ausência de adjetivos ou de expressões adjetivas.)
Era uma vez um rei [...],
que tinha um nariz [...], [...], [...].
Não percebia, porém, o
[...] monarca, a enormidade do seu defeito; julgava-se, ao contrário, um [...]
tipo de beleza [...]. [...] daquele que zombasse, ou de leve se referisse ao
narigão [...] do rei! Punha a língua à mostra na forca mais próxima!
Um dia, o rei Mahendra –
já me esquecia de dizer que era este o nome do rei [...] – disse ao seu
ministro:
– Quero ter aqui, no
palácio, um retrato meu, cuja perfeição e fidelidade todos hajam de gabar.
O ministro mandou chamar
os [...] pintores [...]. O prêmio prometido ao mais [...] era [...]: um elefante,
um palácio e uma caixa [...] [...].
Apresentaram-se três
artistas que passavam por [...]: Kedar, [...], Meryem, [...], e o [...] Fauzi Nalik,
[...].
Kedar, tomando da tela,
fez surgir, de sob seus [...] pincéis, um retrato [...] do rei; reproduziu o nariz
do monarca exatamente como o modelo se lhe mostrava – [...] e [...].
Quando o rei Mahendra viu
a figura [...], nitidamente reproduzida no quadro, ficou [...]:
– [...]! [...]! Fazer de
mim [...] monstrengo!
E mandou enforcar o
pintor.
Meryem, o segundo artista,
ao ver o [...] fim de seu companheiro, achou [...] não imitar a escola [...] de
seu [...] colega. Isto de pintar os soberanos tal como eles são deu sempre
[...] resultado.
E o árabe retratou o rei,
fazendo-o [...] em todos os traços [...]. Era aquilo uma [...] obra [...].
Enfureceu-se ainda mais o
monarca ao ver o [...] trabalho. A figura feita por Meryem era [...] e em nada
se parecia com o original de nariz singularmente [...].
– O Belzebu desse pintor
quer zombar de mim! – gritou [...] – Esse retrato em nada se parece comigo! É,
antes, um [...] escárnio.
E mandou enforcar o [...]
Meryem.
Chegou, finalmente, a vez
do [...] Fauzi Nalik, o pintor [...].
– Estou [...]! – disse ele
aos seus botões. – Se pinto o rei de nariz [...], vou para a forca; se lhe
endireito a cara, sou enforcado!
E todos na cidade já lhe
lamentavam, por antecipar, o [...] fim.
– No dia em que ele der o
[...] retoque no retrato [...], vai direitinho levar o pescoço ao baraço!
Mas, com espanto [...],
tal não aconteceu. O monarca ficou [...] com o trabalho do [...] Fauzi Nalik.
– Este, sim – proclamou
[...] e [...], - esse é o meu [...] retrato.
E mandou que sem mais
demora se entregasse ao moço a [...] e [...] recompensa: um elefante, um
palácio e uma caixa [...].
Quando Fauzi Nalik, [...]
e [...], deixou o palácio [...], viu-se cercado dos amigos, que o cumulavam de
perguntas:
– Então? Como conseguiste
o milagre? Pintaste o rei de nariz [...] ou sem nariz? Conta-nos lá a proeza.
– Pois vou contá-la –
respondeu o [...] moço. – Pintei o rei exatamente como ele é. Tive, porém, a
ideia de imaginá-lo a caçar tigres, e a arma [...] tapava-lhe perfeitamente o
nariz [...] e [...]!
E, ao afastar-se, [...],
acrescentou:
– Se o aleijão do rei
Mahendra, ao invés de ser no nariz, fosse nas pernas, eu o teria pintado a
banhar-se num lago com água até a cintura.
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