Os
jovens estão continuamente escrevendo mensagens criativas e autorais na
Internet, mas continuam afirmando que “escrever é chato, penoso, difícil”.
Postam até criações próprias – verbais, visuais, sonoras. Umas vêm impregnadas
de humor, outras de intenso sentimento, outras, ainda, de assumida postura
solidária, quando não declaradamente política. Estes são os jovens que não
sabem ou não querem expressar-se nas escolas?
Parece
que o tão proclamado desgosto pela escrita é mais a sensação de que “algumas
uvas estão verdes”... E estão, de fato, fora do alcance da maioria,
especialmente porque longe de sua realidade e de seus interesses. Daí porque
aprender a escrever os textos que a escola propõe se torne tão distante e
sofrido!
Vejam
o que descobriu Lucy Calkins, professora e autora preocupada com a aprendizagem
da escrita: “Eu presumia que meus estudantes não possuíam seus próprios troféus
para exibir, que não possuíam suas próprias histórias para contar. [...] Agora,
seja trabalhando com crianças ou com adultos, eu sei que ensinar a escrever
começa com o reconhecimento de que cada indivíduo vem para a oficina de
trabalho de escrita com preocupações, ideias, recordações e sentimentos.”
Pois
é, em primeiro lugar, reconhecer que eles têm
o que dizer, e muito. Depois: “nossa tarefa, como professores, é ouvir e
ajudá-los a ouvir”. Ou seja, há um longo aprendizado mútuo, de ouvir o outro, nos esperando.
Acrescento:
aprendizado do ouvir, mas também do ler, do falar e do escrever em situações
não habituais, como as que todos encontramos nas várias esferas da vida. Por
esse caminho, será bem mais fácil que a expressão da verdade de cada um jorre e
adquira fluência.
Ter o que dizer e saber como dizer:
Moacyr Scliar
A
propósito, nesta época de ações afirmativas em favor de tantas causas coletivas,
lembrei-me de uma pequena preciosidade literária de Moacyr Scliar. Nela, o excelente
cronista transforma sua profunda compreensão de uma notícia de jornal (“saber
ouvir e ler”, lembram-se?) em narrativa inteligente e sensível, que resgata o
valor da ação solidária e inclusiva.
Ao
ler, o leitor perceberá que a história simples, mas bem elaborada, diz mais que
um longo discurso ou palavras rebuscadas. Ou seja: Scliar não apenas tem o que dizer como também sabe como dizer.
A EDUCAÇÃO EM PÉS DESCALÇOS
“Aluno
quita mensalidade até com chinelo.” Cotidiano,
21/05/1998.
A
aula já tinha começado quando André entrou. Duas coisas chamaram a atenção do
professor: em primeiro lugar, o menino se atrasara, o que nunca acontecia. Além
disso, estava de pés descalços.
– O
que houve com seus chinelos, André?
O
menino ficou vermelho, embaraçadíssimo. Finalmente, confessou que tinha usado
os chinelos para quitar a mensalidade. E, agoniado, perguntou:
– Eu
sei que não posso assistir às aulas descalço, eu sei que é contra o
regulamento. O senhor quer que eu saia?
O
professor ficou um instante em silêncio. Depois, como se não tivesse ouvido a
pergunta, dirigiu-se aos alunos:
–
Pessoal, acabo de mudar o assunto da aula. Nós íamos estudar geografia: golfos,
penínsulas, essas coisas. Não vamos mais. Vamos estudar o corpo humano.
Melhor,
vamos estudar uma parte muito importante do corpo humano: os pés. Todo mundo
diz que nos sustentam. São os pés que nos levam de um lado para outro. Nós não
seríamos o que somos, se não fossem os nossos pés. Por isso vamos dedicar esta
aula a eles. Para começar, quero que todos fiquem descalços...
Meia
hora depois, o diretor entrou na sala. Viu a um canto um monte de sapatos, de
tênis e de chinelos. Não era uma cena habitual, mas ele não estranhou: sabia
que, em certos casos, a educação precisa ser inovadora.
(SCLIAR,
Moacyr. Folha de São Paulo; Cotidiano.
25/05/1998)
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